#umdiavamosdesconfinar - Foz Côa


É sexta-feira à noite. Depois de uma longa semana de trabalho e sem jantar! Escuro, muito escuro! Seguimos viagem por estradas desconhecidas que prometem levar-nos até à descoberta de mais uma região. Desta vez, até Foz Côa, o único concelho com dois patrimónios mundiais e duas regiões de extraordinário interesse: o Vale do Côa e o Alto Douro Vinhateiro. Convencidos? 

Sendo um dos mais importantes sítios de arte rupestre do mundo, o Vale do Côa é ainda o mais importante local com arte rupestre paleolítica ao ar livre. A somar a isto, ainda temos o Alto Douro Vinhateiro, a mais antiga região demarcada que oferece uma paisagem singular e que a UNESCO incluiu na lista do Património da Humanidade. 

Pelo caminho, a fome aperta e, por isso, nada melhor que telefonar para o Turismo d’Aldeia Bairro do Casal e pedir recomendações. A vontade de chegar era muita, porém, o estômago já reclamava o aconchego de uma saborosa carne, com batatas fritas a acompanhar, regado por um bom vinho do Douro. Sem esquecer, a deliciosa sobremesa! Tudo feito por um jovem casal vindo de França por razões familiares e que se entregou de corpo e alma à “Petiscaria Preguiça”, na freguesia de Mós, em Vila Nova de Foz Côa, mesmo junto à ponte da ferrovia, Estação de Freixo de Numão-Mós do Douro. 


Todos os produtos servidos são produzidos e cultivados na própria quinta, desde o vinho aos produtos da horta. O pão é de fabrico tradicional e cozido em forno a lenha. Visto de fora, o restaurante mais parece uma casa, já dos anos 80, sem grandes cuidados, mas a verdade é que também não precisa. O que ali vale mesmo a pena é a comida, pensámos nós naquela noite já muito escura. Não havia mais ninguém no restaurante. Metemos conversa com o simpático dono que nos convidou a regressar lá na viagem de volta. Foi então que percebemos que a casa estava mesmo por cima do rio Douro, com as vinhas de frente e a ponte ali tão perto. Depois dessa experiência, percebemos ainda melhor que ir àquele restaurante tornou-se, para nós, paragem obrigatória. Vale pela simpatia e hospitalidade dos donos, pela comida e, sobretudo, pelo encanto da paisagem! 

Mas, voltemos à estrada! Depois do jantar já bem tardio, entrámos no carro e só parámos no Bairro do Casal. À nossa espera, a simpatia e hospitalidade de uma senhora da terra que agora vive na capital e que escapa para a aldeia sempre que pode. Escolhemos a “Casa Belmira”. Já cansados, foi tempo de dormir e retemperar energias. 

No dia seguinte foi maravilhoso saborear o pequeno-almoço “em casa” com os olhos a absorver a paisagem deslumbrante e única do Douro. Rumámos depois até ao Museu do Côa que nos espera no topo da colina, com a foz do Douro a seus pés, correndo de encontro à Arte Pré-histórica do Vale do Côa. 

Inaugurado em julho de 2010, ao longe o edifício “assemelha-se a um enorme afloramento irrompendo do solo”. Mas, à medida que nos aproximamos, ficamos ainda mais despertos para a nossa “pequenez” perante o betão que se ergue revelando as irregularidades naturais do xisto, a rocha predominante na região. 

O “pressuposto Único” do Museu é a sua perfeita “integração na paisagem“, convertendo-se o seu corpo, se bem que em “gesto forte e afirmativo“, numa marca “subtil, sensível à topografia, pouco modificando o perfil do monte e dialogante com a paisagem“ – pode ler-se na memória descritiva constante do anteprojecto de julho de 2005. Era noite de lua cheia. Seguimos num todo-o-terreno para uma fruição noturna, mergulhando na História, apreciando a beleza da arte paleolítica do Côa, exposta nas rochas visitáveis do Sítio da Penascosa. O rio tornou-se ainda mais visível e cintilante e os montes irrompiam, recortados na paisagem.

“Incidindo uma luz forte em posição rasante sobre as gravuras, criando efeitos de luz/sombra, conseguem-se destacar os motivos gravados, fazendo-os “emergir” da superfície da rocha. Movimentando a incidência da luz, é possível também realçar determinados motivos em relação a outros, “isolando-os” na aparente confusão criada pelas sobreposições intencionais de motivos, uma técnica de representação muito típica da arte paleolítica”, explicou-nos o guia.


A classificação dos núcleos de gravuras rupestres como Património Mundial pela UNESCO, no dia 2 de dezembro de 1998, foi o culminar de um processo que marcaria indelevelmente em Portugal o estatuto da Arte Rupestre, da Arqueologia e do Património Cultural. Milénio após milénio, as rochas de xisto transformaram-se em painéis de arte, graças ao impulso criador dos nossos antepassados. 

No domingo tivemos ainda tempo para visitar Vila Nova de Foz Côa, elevada a cidade em julho de 1997. Passear por lá permite-nos redescobrir a História, fazendo parte do processo milenar que desvenda o património artístico e cultural, mas sem perder a rusticidade e a beleza paisagística que a região nos oferece de mão beijada. No Largo do Município, um belo pelourinho de estilo manuelino partilha o espaço e a beleza com a igreja matriz, construída no século XVI e conhecida pela estrutura inclinada. Mais despojada no exterior, seduz pela riqueza que ostenta no interior. 
Por momentos, foi tempo de parar e orar!

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