“Ela tem 18 anos e já vai no
segundo” - há dias, enquanto esperava pela consulta de rotina com a médica de
família, Catarina ouviu a conversa da assistente que acabara de receber uma
chamada telefónica. E, de repente, deu por si a pensar em como seria esta “Ela”
de quem se falava. Seria alta, baixa, magra,
morena ou loira? Teria olhos verdes, castanhos ou azuis? E como seria a vida
dessa jovem mãe que com apenas dezoito anos já estava grávida do segundo filho?
Catarina tinha 35 anos e estava casada há oito. “Dá Deus nozes a quem não tem
dentes!” - foi o primeiro pensamento que lhe ocorreu depois de tantas tentativas
para engravidar e até, ao momento, sem sucesso.
Naquele preciso instante, um
inexplicável sentimento de raiva, tomava conta daquela professora de Inglês,
habituada a lidar com raparigas de 18 anos, tal como a “Ela” do telefonema.
Invadida pela raiva momentânea poderia estar impedida de se colocar na pele da
“outra”, admitiu.
Apesar da dificuldade em engravidar, Catarina, considerava-se
uma mulher feliz. Tinha uma família maravilhosa, trabalho, casa e uma vida
organizada, mas fruto do seu trabalho também sabia que a realidade era bem
diferente para muitas outras pessoas.
A escola onde trabalhava acolhia alunos
dos meios mais desfavorecidos e todos os anos não faltavam estórias de “elas”
grávidas, abusadas, vítimas de violência... Seria também “ela” vinda de uma
dessas realidades? No regresso a casa, sentia-se mal por ter sentido inveja
daquela “ela” no momento em que ouviu aquele telefonema, porém também sabia que
era humana e há momentos na vida que somos ultrapassados pelos sentimentos mais
feios, egoístas e até obscuros.
Não era a primeira vez que Catarina se deixava
invadir por estes sentimentos mais feios, contudo a sua dificuldade em
engravidar estava a roubar-lhe a vontade de sorrir. Sentia que andava a adiar o
maior desejo da vida. Queria muito ser mãe e os anos começavam a pesar. Mal
sabia que o melhor ainda estava para vir! O último tratamento tinha sido há
cinco semanas.
Quando chegou a casa tinha na caixa do correio uma carta do
médico que a seguia desde o primeiro tratamento! Parabéns!...só conseguiu ler a
primeira linha, o suficiente para se desfazer
em lágrimas, num misto de felicidade e arrependimento!
Estava pronta, mais que
pronta, para acolher aquela vida, depois de uma longa espera.
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